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O Metaverso e a LGPD: o tratamento dado aos controladores e titulares de dados nouniverso paralelo

Por Rodrigo Pironti
Como tratei em meu último artigo intitulado “o Metaverso e os desafios do
compliance”, essa nova realidade virtual é, por essência inovadora, quase uma proposta
de imersão em filmes que, há pouco tempo atrás, eram considerados de ficção científica
e traz consigo um conteúdo imaginário e futurista, que propõe uma conexão entre o
mundo real e o virtual, ou melhor, a vida em um mundo virtual, em razão de nossa real
existência. É, portanto, um novo mundo (virtual), em que as pessoas são investidas em
seus avatares digitais para realizar atividades relacionais diversas e até mesmo negócios
jurídicos, como por exemplo, adquirir propriedades, firmar os mais diversos contratos,
realizar compras de varejo dentre outros.
Àqueles que iniciam a leitura, peço desde já as devidas escusas pela ousadia e, neste
sentido, por eventual tratamento ainda incompleto do tema. Contudo, sempre busquei
desbravar temas fragmentados, inconclusivos e complexos por sua própria natureza e
essa seja talvez a nossa missão em temas como esse, onde a novidade a afrontar a
realidade demanda uma resposta mais imediata da academia do que se pode esperar
de outras instituições, debatia sobre isso dias atrás com os brilhantes professores
Eduardo Moura, Mariana Keppen e Daniel Sibille. Entendo que essa seja uma abordagem
necessariamente incompleta, pois o tema do metaverso ainda é objeto de
aperfeiçoamento diário e novas “realidades” e conceitos são incorporados com uma
velocidade incomparável, porém isso não poderia me impedir de opinar, desde já, nos
reflexos que esse novo mundo traz à Lei Geral de Proteção de Dados. Isso porque, não
podemos alijar deste novo ambiente virtual a aplicação da Lei 13.709/18, pois se assim
agirmos, deixaremos à deriva importantes direitos de titulares que – ainda que em um
mundo virtual e representados por um avatar – não podem deixar de ser tutelados.
Assim, avaliando a interseção dessa nova realidade com o Compliance, inevitável seria
sua análise conjugada à proteção dos dados pessoais que são tratados neste novo
universo. Contudo, a tarefa de projetar os desafios da LGPD nesta nova plataforma de
realidade virtual não é nada simples, isso porque, alguns conceitos próprios da Lei
13.709/18, se aproximados do Metaverso, não possuem relação direta.
Ao pensar nesta “nova rede” ou “novo mundo”, não se tem nenhuma dúvida de que a
“existência virtual” será manifestada por meio de nossos avatares. Esses avatares, como

já visto no artigo anteriormente mencionado, conduzirão (ou melhor, já conduzem) suas
atividades dentro da rede como se no mundo real estivessem, travando relacionamentos
de amizade, de afeto, profissionais e também comerciais ou institucionais. É nestes dois
últimos aspectos, principalmente, que o metaverso tangencia as regras de proteção de
dados previstas na LGPD. Explico:
O artigo primeiro da Lei 13.709/18 prevê que a referida Lei “dispõe sobre o tratamento
de dados pessoais, inclusive nos meios digitais, por pessoa natural ou por pessoa
jurídica de direito público ou privado, com o objetivo de proteger os direitos
fundamentais de liberdade e de privacidade e o livre desenvolvimento da personalidade
da pessoa natural.” Conjugando este artigo com o artigo quarto, inciso primeiro, que
orienta que a LGPD “não se aplica ao tratamento de dados pessoais” quando “realizado
por pessoa natural para fins exclusivamente particulares e não econômicos”, fica clara a
aplicação da Lei para proteção dos direitos dos titulares nas relações em que os
denominados Controladores de dados, que segundo o artigo quinto, inciso sexto, são as
pessoas naturais ou jurídicas, “de direito público ou privado, a quem competem as
decisões referentes ao tratamento de dados pessoais”, utilizam tais dados para
determinada finalidade econômica ou quando o utilizam no exercício de atividade
pública (consoante o artigo 23 da Lei 13.709/18).
Considerando essas questões, algumas perguntas se colocam: É possível proteger os
dados do avatar? Quem é a pessoa natural no metaverso? Quem é controlador no
âmbito deste novo ambiente?
Primeiro é importante delimitar que os sujeitos de direito, titulares de dados, para fins
da LGPD, são as pessoas naturais e, ainda que seja possível a ampliação desse conceito
a outras pessoas capazes de adquirir direitos e obrigações no âmbito civil, para fins de
tutela em proteção de dados pessoais, os sujeitos de direito serão sempre as pessoas
naturais. Essa é a definição da parte final do artigo primeiro da Lei 13.709/18.
Mas o avatar é pessoa natural? Seria ele sujeito de direitos? Ora, no âmbito do metaverso
haveria duas possibilidades, ou os avatares seriam classificados como uma espécie de
dado pessoal (indireto ou identificável, talvez) ou seriam categorizados como extensão
da personalidade jurídica de seu titular. Prefiro seguir pela segunda linha de raciocínio,
por não enxergar neste momento a relação direta do avatar como um dado pessoal (ao
menos não sem que a segunda possibilidade seja aferida), já que para mim, as relações
econômicas e institucionais travadas no ambiente virtual por intermédio do avatar, em
nome de seu criador, são realizadas com dados pessoais deste, e não daquele, ainda

que tudo pareça estar acontecendo naquele novo mundo. É dizer, as obrigações
assumidas no metaverso e os dados pessoais do avatar (e de seu criador) que circulam
na rede, são protegidos pela LGPD pois caracterizam dados da pessoa natural que deu
“vida” ao avatar e, para isso, cadastrou tais dados na rede, como sua qualificação básica,
suas senhas de acesso ou identificação facial ou digital, seu cartão de crédito ou outro
meio de pagamento com “lastro real”, ainda que estejamos falando de pagamento com
cripto ativos ou outras moedas virtuais (como é o caso da Linden no jogo que deu origem
ao metaverso, o Second Life), em todos os casos a titularidade destas moedas e sua
aquisição originária sempre partiriam de uma transação do mundo real e apenas se
“imaterializaram” no ambiente virtual, sem deixar de ter lastro aferível. Portanto, ainda
que muitas vezes seja a vontade de seu criador, o metaverso é um ambiente de realidade
virtual, que nunca excluirá ou desconectará o criador de sua criatura. Este nexo causal
portanto necessário à extensão da aplicação da LGPD.
Complexo? E se trouxermos um conteúdo ainda mais dinâmico a este artigo e
pensarmos em quem seria o controlador de dados no âmbito deste novo ambiente
virtual?
Ora. Em meu sentir a solução aqui é mais simples, pois nestes casos, o controlador age
no mundo virtual na captação de dados pessoais para uso em sua atividade econômica
ou institucional, tendo a decisão sobre o tratamento do dado coletado. É dizer, não
parece haver dúvida que, ao captar os dados do “avatar”, dados estes que são por
consequência lógica de seu próprio criador (pessoa natural e sujeito de direito que deu
vida a criatura), os controladores agem diretamente sob a égide e aplicabilidade da
LGPD.
E que não se diga que no metaverso o conceito de controlador estaria limitado à pessoa
jurídica que atua no ambiente virtual, pois a limitação do conceito não se aplica. É dizer,
agindo na rede com finalidade econômica ou na tutela de interesse público, com coleta
e tratamento de dados pessoais, tanto a pessoa jurídica de Direito Público ou de Direito
Privado, quanto a pessoa natural, podem ser considerados controladores.
Como dissemos em texto anterior, essa avaliação, no atual cenário legislativo e
normativo brasileiro, deve se dar pelo artigo 104 do Código Civil, que dispõe que para
que haja validade o negócio jurídico deve preencher os requisitos de agente capaz;
objeto lícito, possível, determinado ou determinável; e forma prescrita ou não defesa em
lei. A partir disso, poderá se determinar se as relações travadas no metaverso entre
avatares e controladores de dados são juridicamente válidas ou não.

Os requisitos de objeto lícito, possível, determinado ou determinável e não impedimento
legal, não geram maiores debates, já que não há qualquer impedimento para as
atividades comerciais ou públicas desenvolvidas no metaverso. Contudo, o requisito de
se ter um agente capaz na relação jurídica travada é, dentre todos, o que traz maior
dificuldade, já que é necessário garantir que as pessoas que estão realizando o negócio
jurídico e transacionando dados em ambiente virtual, ainda que por meio de seus
avatares, sejam dotadas de personalidade jurídica.
Para isso, alguns mecanismos já são reconhecidos como capazes de tal confirmação e
de garantir a autenticidade e integridade dos negócios ou relações institucionais
firmadas, como no caso de assinatura eletrônica ou a assinatura digital, nas quais é
possível se aferir a real identidade das assinaturas realizadas no ambiente digital e
garantir validade ao ato jurídico. Há também a possibilidade de identificação facial ou
digital no acesso à plataforma, por meio da câmera do celular ou sensibilidade da tela, o
que garantiria a comprovação jurídica exigida em lei, dentre outras formas, inclusive,
pela autenticação de assinatura com o uso da tecnologia blockchain.
Claro que algumas questões, em se tratando de proteção de dados, deveriam ser
dotadas de comprovação ainda mais explícita, como é o caso do tratamento de um dado
sensível (orientação sexual, por exemplo) coletado por meio do avatar em uma relação
comercial no ambiente do metaverso. Neste caso, para além dos critérios de liberalidade,
inequivocidade e informação para obtenção do consentimento, deveria ser buscado pelo
controlador a comprovação de que também houve destaque dessa informação no
momento da coleta em realidade virtual para fins de conformação da base legal.
Para exemplificar todas as situações trazidas imaginemos os três seguintes exemplos:
O primeiro relaciona o avatar Phoenix L., criado pelo sujeito de direito João da Silva
(brasileiro), que ao caminhar pelo cenário de realidade virtual se interessa por adquirir,
para ele mesmo, próprio avatar, um tênis do último modelo para avatares lançado na
loja virtual da nike no metaverso. Imagine-se, ainda, que o pagamento desta relação
comercial tenha se dado por meio de um token virtual, válido na loja para este tipo de
aquisição. Todos os dados coletados pela loja para esta relação de compra e venda,
dados relativos ao avatar e ao seu criador, são obviamente protegidos pela LGPD, pois
caracterizam extensão da pessoa natural que deu “vida” a criatura e que, em última
análise, pode ser prejudicada por uma malversação daquele dado.

Em um segundo caso hipotético, semelhante ao primeiro e considerando a figura do
controlador como pessoa natural no metaverso, imaginemos que o avatar de nome
Paint, do artista plástico e seu criador Xz Gordon, coloca no ambiente do metaverso uma
de suas NFTs, ou seja, um token não fungível da obra de arte por ele idealizada, que é
adquirida pelo avatar Phoenix L., o mesmo que adquiriu o tênis virtual da nike em nosso
exemplo anterior. Neste caso, ao coletar os dados para a venda na NFT, Paint, extensão
da personalidade jurídica de Xz Gordon, age como controlador de dados pessoais,
devendo zelar e proteger os dados coletados em razão da incidência direta da LGPD.
Paint funciona aqui como controlador ainda que não dotado de personalidade jurídica
própria, mas uma vez agindo em nome de Xz Gordon e com decisão sobre o dado, age
sim como controlador. Isso de nada difere a solução que já é dada hoje aos órgãos
públicos despersonificados.
Por fim e não menos importante, imaginemos uma situação em que o avatar Phoenix L.
(ainda ele), resolve buscar os serviços da embaixada de Barbados no metaverso, com o
objetivo de obter informações sobre alguns serviços consulares. Os dados repassados
à embaixada pelo avatar Phoenix L., por se tratarem dos dados do brasileiro João da
Silva, criador do avatar, são tutelados pela LGPD e, em razão disso, devem gozar de
proteção adequada pela autoridade daquele país.
Nestes três casos, o que autoriza a aplicação direta da Lei 13.709/18 no âmbito do
metaverso é o fato de que o avatar, quando se posiciona no cenário de realidade virtual
e vive sua realidade, o faz em nome de seu criador e como extensão da personalidade
jurídica da sua pessoa natural. Ainda que os dados tratados não sejam em sua
completude da pessoa natural do seu criador, o próprio dado do avatar, conjugado à
essa realidade, torna-se, aí sim, um dado pessoal indireto do seu criador, pois passível
de identificação a partir da adição de outros dados indiretos àquele contexto. Em síntese,
o avatar é uma extensão dos direitos de personalidade da pessoa natural que o criou,
quando os dados coletados e tratados no metaverso representarem diretamente seu
criador, afora essa hipótese, também é possível que seja o avatar considerado um dado
pessoal de seu titular, caso ele próprio, avatar, seja utilizado na rede para identificar o
seu criador. Em qualquer dos casos o Controlador de dados que realiza essa interface
com os dados pessoais mantidos no mundo virtual deve agir sob a égide e os princípios
da Lei Geral de Proteção de Dados.
Enfim, mais do que respostas, as ideias aqui lançadas são linhas iniciais de um tema que
ainda demandará muita reflexão e estudo, mas que ao largo de suas dificuldades de
entendimento e complexidade de circunscrição entre o real e o virtual, não pode deixar

de dar respostas a situações concretas que já começam a impactar o dia a dia dos
cidadãos, titulares de dados pessoais.

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