Por: Geraldo José Del Grossi Ribeiro
A utilização de mecanismos de governança em órgãos públicos trata-se de valioso insumo que visa gerar resultados mais efetivos e transparentes à sociedade, assegurando que as atividades desses órgãos estejam alinhadas aos interesses da população, além de garantir que os seus objetivos sejam alcançados em observância a preceitos éticos e de moralidade administrativa[1].
Apesar do conceito de governança ter sido inicialmente pensado para atender às demandas de direito privado, ele foi progressivamente adotado também pelo setor público, especialmente após a promulgação da Emenda Constitucional nº 19/1998. Essa emenda incluiu a eficiência entre o rol de princípios que orientam a administração pública, conforme disposto no Art. 37 da Constituição Federal, a qual foi incentivada a incorporar, de forma gradativa, mecanismos gerenciais que possibilitassem o alcance de resultados cada vez mais efetivos à população, sem desconsiderar os demais princípios que já guiavam suas atividades[2].
Dentre os mecanismos que podem ser utilizados por órgãos públicos para aprimorar suas estruturas de governança, aqueles especificamente voltados à avaliação de riscos e controles internos ganham especial relevância para a materialização do princípio da eficiência administrativa. Tal relevância se confirma a partir da definição do International Organisation of Supreme Audit Institution (INTOSAI) quanto ao controle interno aplicado ao setor público, que visa garantir à entidade o alcance dos seguintes objetivos gerais ao longo do processo de consecução da sua missão institucional: execução ordenada, ética, econômica, eficiente e efetiva das operações, cumprimento das obrigações de prestação de contas, cumprimento das leis e regulamentos aplicáveis e salvaguarda dos recursos, a fim de evitar perdas, mau uso ou danos[3].
Mesmo que os referidos preceitos apresentem extrema valia para qualquer entidade pública, mostram-se especialmente relevantes às unidades do Ministério Público brasileiro, principalmente ao considerar suas atribuições constitucionalmente atribuídas, atinentes à: defesa da ordem jurídica e dos interesses sociais e individuais indisponíveis (Art. 127 CF), promoção privativa da ação penal pública (Art. 129, I CF) e da ação civil pública (Art. 129, III CF), assegurar o efetivo respeito aos poderes públicos e aos direitos garantidos constitucionalmente (Art. 129, II CF)[4]. Tais funções exigem que os órgãos ministeriais, ao exercerem suas atividades de fiscalização e controle, mantenham estrita observância aos princípios que regem a administração pública, tornando conveniente a adoção de mecanismos gerenciais que garantam observância a estas diretrizes.
Ciente desta conveniência, o CNMP já vinha adotando algumas iniciativas esparsas que visavam, gradativamente, incluir mecanismos e normativas para assegurar a mitigação de riscos e o resguardo à integridade nas unidades ministeriais. Tais iniciativas podem ser exemplificadas pela Portaria CNMP-PRESI nº 120/2019[5], que implementou o Programa de Integridade do CNMP, e a Resolução nº 261/2023[6], que instituiu o Código de Ética do Ministério Público brasileiro.
Contudo, no dia 13 de agosto de 2024, foi apresentada uma proposta de resolução[7] à presidência do Conselho Superior que, caso aprovada, colocará o Ministério Público brasileiro em um novo patamar quanto à governança, ética e integridade. A proposição elenca, em seu Art. 13, que todas as unidades ministeriais deverão implementar, de forma compulsória, Programas de Integridade no prazo de um ano, sendo que as unidades que já disponham do Programa deverão adequá-lo às exigências da norma.
É indiscutível a representatividade dessa proposta em contexto nacional, considerando a carência de normativas em plano nacional que imponham obrigatoriedade às instituições públicas ao implementarem Programas de Compliance. Tal compulsoriedade já é observada em relação às unidades da administração pública federal direta, indireta, autárquica e fundacional, conforme disposição do Decreto nº 9.203/2017, além de ser observada em relação a empresas privadas que atuam em mercados regulados, ou caso celebrem contratos de grande vulto com a administração pública, como previsto no Art. 25, §4º da Lei 14.133/2021[8]. Portanto, a adoção obrigatória de Programas de Integridade pelas unidades do Ministério Público tem a possibilidade de elevar o nível de governança pública nessas instituições, considerando que, diante da compulsoriedade na adoção desses Programas, o diferencial entre eles seria a sofisticação dos seus mecanismos para o alcance de melhores resultados.
Tais resultados poderão, inclusive, ser reconhecidos pelo CNMP em premiações que já costumam ocorrer em relação aos órgãos ministeriais que apresentam medidas inovadoras e bons resultados. Como exemplo, pode-se citar o “Prêmio CNMP”, instituído através da Portaria nº 1/2021[9], que se trata de um instrumento de reconhecimento de programas e projetos dos ramos e unidades do Ministério Público que contribuam para o aperfeiçoamento da Instituição e dos serviços prestados à sociedade.
Por fim, destaca-se que a adoção dos Programas de Integridade nos termos da Proposta de Resolução do CNMP é uma medida materialmente tangível. Isto ocorre pelos Programas não se tratarem de instrumentos gerenciais totalmente estranhos às unidades ministeriais, mas sim visam compilar, organizar e divulgar alguns mecanismos que já se observam nas suas estruturas internas, como os referentes à auditoria e aos controles internos, inovando apenas em questões pontuais, como em relação à estrutura do Canal de Denúncias e às Comissões ou Comitês de Integridade, que deverão ser adotados ou adequados pelas unidades ministeriais para garantir conformidade à normativa.
Ainda, será necessário que os mecanismos e normativas afetos ao Programa de Integridade sejam moldados em observância às normas já existentes no órgão, para que sejam válidos e alcancem as finalidades pelas quais foram instituídos. Essa necessária congruência sistêmica deve ocorrer, por exemplo, na aplicação de sanções administrativas aos agentes públicos pela inobservância das obrigações inerentes ao Programa, que deverão considerar o vínculo do agente com a instituição e as normas que se aplicam especificamente a ele, as quais normalmente diferem entre membros, servidores e demais agentes ministeriais.
[1] BRASIL. Tribunal de Contas da União. Governança pública: referencial básico de governança aplicável a órgãos e entidades da administração pública e ações indutoras de melhoria. Brasília: TCU, Secretaria de Planejamento, Governança e Gestão, 2014, p. 33.
[2] Ribeiro Filho, W. F.; Valadares, J. L. Governança: uma nova perspectiva de gestão aplicada à administração pública. The Journal of Engineering and Exact Sciences – JCEC, v. 3, n. 5, 2017, p. 721-723.
[3] International Organisation of Supreme Audit Institution. Guidelines for the Internal Control Standards for the Public Sector. Disponível em: <intosai_gov_9100_e (issai.org)>. Acesso em 15 de outubro de 2024.
[4] BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituicao.htm. Acesso em 15 de outubro de 2024.
[5] CNMP. Portaria CNMP-PRESI nº 120/2019. Brasília. Disponível em: 2019.Portaria-CNMP-PRESI.120.2019—Institui-o-Programa-de-Integridade-do-Conselho-Nacional-do-Ministrio-Pblico.pdf. Acesso em 15 de outubro de 2024.
[6] CNMP. Resolução nº 261/2023. Brasília. Disponível em: 2019.Portaria-CNMP-PRESI.120.2019—Institui-o-Programa-de-Integridade-do-Conselho-Nacional-do-Ministrio-Pblico.pdf. Acesso em 15 de outubro de 2024.
[7] CNMP. Proposta de resolução de 13 de agosto de 2024. Brasília. Disponível em: Microsoft Word – Proposta de resoluc’a o – Integridade Ministerial – com justificativa – versao corrigida.docx (cnmp.mp.br). Acesso em 15 de outubro de 2024.
[8] BRASIL. Lei nº 14.133/2021. Brasília. Disponível em: L14133 (planalto.gov.br). Acesso em 15 de outubro de 2024.
[9] BRASIL. Portaria nº 01/2021. Brasília. Disponível em: processo-190040090000436202184 (cnmp.mp.br). Acesso em 15 de outubro de 2024.