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O Metaverso e os desafios do compliance.

Por Rodrigo Pironti
O conceito de Metaverso é inovador, quase uma proposta de imersão em filmes que, há
pouco tempo atrás, eram considerados de ficção científica; traz consigo um conteúdo
imaginário e futurista, que propõe uma conexão entre o mundo real e o virtual, ou
melhor, a vida em um mundo virtual, em razão de nossa real existência. É, portanto, um
novo mundo (virtual), em que as pessoas são investidas em seus avatares digitais para
realizar atividades relacionais diversas e até mesmo negócios jurídicos, como por
exemplo, adquirir propriedades, firmar os mais diversos contratos, realizar compras de
varejo dentre outros.
O metaverso teve seu embrião no jogo Second Life, criado em 2003 e que simulava uma
vida em sociedade, por meio de avatares; porém, naquela ocasião, o jogo não tinha
sequer conexão virtual, é dizer, o usuário não tinha interação entre o mundo real e o
virtual. Após sua criação, o Second Life expandiu e ganhou em seu ambiente virtual
novos negócios, como a disponibilização de imóveis virtuais e, inclusive, uma plataforma
de marketplace, cuja moeda própria poderia ser utilizada no ambiente virtual do jogo.
Tempos depois, o Facebook inovou, trazendo uma proposta de plena interação entre os
mundos real e virtual, em que as pessoas pudessem se relacionar entre si, interagir e
negociar com empresas, marcas, comprar propriedades virtuais, ou seja, criando seu
próprio mundo virtual, em paralelo à “vida real”.
Esse movimento foi atualmente incorporado e encampado por várias empresas como
Google, Nike, Ralph Lauren, Itaú, Balenciaga, Vans, Gucci, Burberry, Stella Artois, Lojas
Renner entre outras que já possuem bases relacionais e comerciais no metaverso. Já se
transformou, portanto, em um novo canal de comunicação entre fornecedores e
consumidores, muitos destes consumidores que, até o momento, não integravam a lista
de contatos dessas empresas, o que demonstra uma das vantagens de se estabelecer
neste novo universo, o aumento da abrangência e presença da marca com a
consequente expansão de sua carteira de clientes, além da eficiência operacional e
redução de custos com a operação neste novo ambiente.
Em 20 de dezembro de 2021, Dan Ciocoiu-Muntiu, diretor da Accenture Interactive, em
entrevista ao Editorial Espanhol Palco23, alertou que a relevância do metaverso é de
que gera novas necessidades e obriga que surjam novos modelos de negócios,
redefinindo o conceito de propriedade e bens materiais. Já Liliane Tie Arazawa,
community builder da Women in Blockchain Brasil, em comentário ao canal bloomberg
linea, avaliou que o metaverso traz à tona problemas contemporâneos mundiais que
ainda demandam solução dentro e fora do novo ambiente, mas também grandes
chances, como foi o caso da criação da embaixada de Barbados, a primeira baseada
em terreno virtual soberano, e que deve ter relevantes impactos sociais, já que no
ambiente virtual há, segundo ela, maiores possibilidades de explorar a diplomacia
digital e as riquezas de patrimônio cultural de alguns países.
A entrada dos Estados neste ambiente virtual, em meu sentir, traz duas importantes
consequências:
a) a primeira, vinculada ao relacionamento com os cidadãos e facilitação de
acesso a serviços e atividades administrativas. Neste sentido, Yulgan Lira,
fundador e CEO da Colb, empresa com foco na tokenização de ativos
financeiros, avalia que a entrada estatal no metaverso é natural já que, com o
aumento de pessoas no ambiente virtual, o Estado precisará atender seus
cidadãos onde quer que estejam, seja no recolhimento de impostos ou na
certificação de documentos pela tecnologia blockchain, exemplos de serviços
que podem ser oferecidos virtualmente.
b) a segunda, um necessário conhecimento do movimento ativo da plataforma
para um mínimo de regulação e controle. Essa hipótese, ainda pouco discutida,
é a que traz maior preocupação àqueles que acreditam que esta realidade
virtual é um grande novo “negócio”, pois a depender do movimento dos
Estados, as limitações impostas pela regulação e pelo controle nas interações
virtuais travadas no ambiente do metaverso, podem representar uma redução
de sua capacidade negocial e de geração de valor.
Contudo, o posicionamento dos Estados neste ambiente, em qualquer uma das
hipóteses mencionadas, demandará tempo e investimento, pois precisarão,
necessariamente, ultrapassar velhos paradigmas burocráticos e amadurecer o
entendimento sobre o metaverso e a tecnologia blockchain, além de depender de uma
atualização e renovação legislativa e administrativa que permita tal inserção.
Isso porque, alguns importantes questionamentos jurídicos surgem, como por exemplo:
como se dará a realização de negócios jurídicos neste ambiente? Em nome de quem
serão realizados? Qual a validade dos contratos firmados?
Esta avaliação, no atual cenário legislativo e normativo brasileiro, deve se dar pelo artigo
104 do Código Civil, que dispõe que para que haja validade o negócio jurídico deve
preencher os requisitos de agente capaz; objeto lícito, possível, determinado ou
determinável; e forma prescrita ou não defesa em lei. À partir disso, poderá se
determinar se as relações travadas no metaverso são jurídicamente válidas ou não.
Os requisitos de objeto lícito, possível, determinado ou determinável e não impedimento
legal, não geram maiores debates, já que não há qualquer impedimento para as
atividades desenvolvidas no metaverso. Contudo, o requisito de se ter um agente capaz
na relação jurídica travada é, dentre todos, o que traz maior dificuldade, já que é
necessário garantir que as pessoas que estão realizando o negócio jurídico em ambiente
virtual, ainda que por meio de seus avatares, sejam dotadas de personalidade jurídica.
Para isso, alguns mecanismos já são reconhecidos como capazes de tal confirmação e
de garantir a autenticidade e integridade dos contratos firmados, como no caso de
assinatura eletrônica ou a assinatura digital, nas quais é possível se aferir a real
identidade das assinaturas realizadas no ambiente digital e garantir validade ao ato
jurídico. Há também a possibilidade de identificação facial ou digital no acesso a
plataforma, por meio da câmera do celular ou sensibilidade da tela, o que garantiria a
comprovação jurídica exigida em lei, dentre outras formas, inclusive, pela autenticação
de assinatura com o uso da tecnologia blockchain.
Mas esta realidade virtual, cada dia mais presente, não será um desafio apenas para o
ordenamento jurídico nacional, na delimitação das práticas e dos negócios jurídicos
travados no ambiente virtual, mas principalmente para o controle estatal no uso dessas
tecnologias, que, em razão desta nova plataforma, amplia o relacionamento interpessoal
para cenários ainda pouco conhecidos e explorados, permitindo inúmeros desmandos,
dentre eles, atos de corrupção.
É o caso, por exemplo, em que dois avatares em ambiente virtual e com o objetivo de
obter vantagem indevida, agem em conluio com o objetivo de frustrar o caráter
competitivo ou impedir a realização de uma licitação, ou ainda, quando um desses
avatares, expressão virtual de um agente público, frauda o equiílbrio econômico
financeiro de um contrato em razão da facilitação na concessão de um pedido de revisão
contratual, por exemplo.
Como a Administração, por sua área de Compliance Público (ou não), deve agir diante
desse cenário?
Ora, ainda que os delitos de corrupção ativa (crime comum) e passiva (crime funcional)
sejam crimes formais, ou seja, que se consumam no momento em que o agente oferece
ou promete vantagem indevida, independentemente de aceitação ou do dano, o difícil,
nestes casos, é determinar se esses avatares agiram mesmo como expressão de seus
paradigmas na vida real, pois apenas assim haveria nexo causal para eventual punição.
Mas o que chama a atenção não é o caráter sancionador do possível ato de corrupção,
mas trazer à discussão um ponto fundamental desta nova realidade que vivemos, qual
seja, de preparar as áreas de risco, controle e compliance para essa nova cultura
relacional e negocial, onde a ética será como princípio uma extensão dos seres humanos
aos seus avatares.
As áreas de Compliance não podem (e nem devem) se permitir desconhecer esse novo
universo, ao contrário, devem estudá-lo e conhecê-lo profundamente, a ponto de
determinar que a cultura empresarial seja uma extensão e expressão direta da visão e
dos valores da empresa do mundo real para o mundo virtual, bem como, do colaborador
da vida real (aquele detentor de personalidade jurídica) para qualquer que seja a
natureza ou forma de seu avatar (expressão jurídica dos atos de seu autor).
Os pilares de compliance devem todos estar orientados à essa nova realidade, desde o
tone from the top, com o apoio da alta administração não apenas a exploração
econômica do ambiente virtual, mas com o fomento de uma postura ética e razoável
nesta plataforma; passando por uma detalhada análise dos riscos de integridade
envolvidos nestas interações, com os respectivos planos de ação formadores das
consequentes políticas internas de compliance, para dar resposta aos eventos de risco
relacionados a este ambiente virtual; preparando o canal de denúncias para respostas
eficazes aos relatos derivados das relações travadas neste novo cenário; realizando
treinamentos específicos sobre o uso, limites e agir ético na interação com o metaverso
dentre outros.
É dizer, a célebre frase de Mark Zuckerberg, ao apresentar publicamente o metaverso,
de que nos próximos cinco ou dez anos alguns de nós estarão habitando mundos tão
detalhados e convincentes como o “mundo real” é, ao mesmo tempo expressão da mais
absoluta e célere capacidade de inovação tecnológica do ser humano, mas também, e
principalmente, de que temos (no compliance) uma nova missão, a de acompanhar essa
evolução, como uma alternativa de pauta ética à possível incapacidade imediata de
controle estatal.

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