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Mercantilização da Advocacia ou Advocacia Empresarial? Comentário ao art. 5. do Código de Ética e Disciplina

Comentário ao Art. 5. Do Código de Ética e Disciplina

Art. 5. O exercício da advocacia é incompatível com qualquer procedimento de mercantilização.

Rodrigo Pironti

Pós Doutor em Direito pela Universidad Complutense de Madrid. Doutor e Mestre em Direito Econômico pela PUCPR. CEO do escritório Pironti Advogados.

  1. INTRODUÇÃO.

A abordagem sobre a mercantilização da advocacia é extremamente relevante no contexto atual de nossa sociedade, não apenas porque a evolução dos meios de comunicação ampliaram as possíveis relações de captação entre clientes e advogados, mas principalmente, porque a interpretação equivocada deste artigo pode importar uma violação à dignidade do próprio advogado, já que sua subsistência é retirada eminentemente de seus honorários e, em razão disso, sua atividade no mercado é condição direta para – no mínimo – a manutenção de sua dignidade.

A atuação do advogado se dá no mercado, é dizer, a atuação dos advogados é estabelecida em um “nicho” de mercado, qual seja, o mercado da advocacia, que não apenas estabelece concorrência direta entre os advogados, mas também, entre a advocacia e inúmeras outras áreas que, constantemente, insistem em avançar o exercício profissional em consultorias que, para dizer o mínimo, ampliam ainda mais o âmbito competitivo neste mercado.

Importa, portanto, desde já, entender a complexidade que temos ao tratar do tema:

a) de um lado, ao reduzir o escopo da ideia de mercantilização e impedir práticas competitivas justas e de mercado aos advogados, poderíamos imputar a estes mesmos advogados, uma violação da sua própria dignidade;

b) de outro lado, ao ampliar o conceito de mercantilização e diminuir o controle sobre a prática concorrencial na advocacia, corre-se o risco de uma atuação desproporcional e desregrada de captação de clientela e de relação com o cliente, com uma consequente banalização da atuação profissional ou uso abusivo do poder econômico.

Em síntese, a missão que temos neste artigo não é simples, contudo e, desde já, antecipo meu posicionamento para uma interpretação que entendo conforme e adequada do artigo 5º do Código de Ética da Advocacia, a de que a expressão mercantilização não pode ser interpretada como atuação do advogado alijada de práticas concorrenciais e de mercado, ao contrário, a visão do advogado-empresário deve estar cada vez mais presente nos dias atuais, contudo, os limites a essa atuação empresária devem estar pautados não apenas por sua conduta concorrencial ética, mas outros fatores externos que impeçam a banalização da profissão.

2. ASPECTOS NORMATIVOS PRELIMINARES AO TEMA 

Estabelecer o espectro de abrangência do termo “mercantilização da advocacia” na legislação e nos atos normativos existentes para regular a atuação do advogado no mercado é, para objetivar a análise, ponto necessário à conclusão do tema.

Neste sentido, o Estatuto da Advocacia, Lei 8.906/94, prevê em seu art. 2:

Art. 2º O advogado é indispensável à administração da justiça.

§ 1º No seu ministério privado, o advogado presta serviço público e exerce função social.

A aproximação do exercício da advocacia à noção de função pública, muito embora a advocacia não se conceitue como uma função pública típica, mas sim equiparada, torna indiscutível a sua participação na administração da justiça, colocando a atuação do advogado em posição distinta a de profissionais vinculados a outras áreas, não alçados, legalmente, à esta condição.

No exercício deste mister o artigo 1º, inciso II, do Estatuto da Advocacia e da OAB tem o objetivo de delimitar o escopo de atuação da profissão de advogado e esclarece que seu papel não se limita a promover demandas judiciais, ou seja, distancia a advocacia da falsa e reduzida premissa da limitação do exercício profissional a postulação em juízo.

Art. 1º São atividades privativas de advocacia:

I – a postulação a órgão do Poder Judiciário e aos juizados especiais;        

II – as atividades de consultoria, assessoria e direção jurídicas.

De maneira objetiva, a atuação extrajudicial e consultiva do advogado consiste, por exemplo, na resposta jurídica às dúvidas formuladas pelos interessados, de maneira adequada e fundamentada, sem a necessidade de qualquer relação direta ou indireta com o Poder Judiciário.

Mas o exercício da função de advogado, ainda encontra uma limitação importante, já que não é qualquer profissional que, formado em uma Universidade de Direito, poderá atuar conforme o artigo 1º da Lei 8906/94, mas apenas aqueles devidamente habilitados, é o que prevê o artigo 3º do mesmo Estatuto:

Art. 3º O exercício da atividade de advocacia no território brasileiro e a denominação de advogado são privativos dos inscritos na Ordem dos Advogados do Brasil (OAB).

E neste aspecto, um ponto fundamental ao debate estabelecido neste artigo, pois com a vinculação ao Órgão de Classe, o profissional que agir fora dos limites estabelecidos pela OAB, não estará isento das sanções disciplinares aplicáveis por ela, pelos eventuais excessos que praticar.

3. O ADVOGADO E A SOCIEDADE DE CONSUMO

Que o exercício da função do advogado está adstrito a Lei e aos regulamentos estabelecidos pela Ordem dos Advogados do Brasil fica bastante evidente dos artigos e incisos supracitados, contudo, importante entendermos quais são esses limites dentro de uma sociedade de consumo e, diante disso, o que deve ser entendido como mercantilização da advocacia.

 A expressão Sociedade de Consumo “designa uma sociedade característica do mundo desenvolvido, na qual a oferta geralmente excede a procura, os produtos são normalizados e os padrões de consumo massificados. O surgimento da sociedade de consumo decorre diretamente do desenvolvimento industrial que a partir de certa altura, e pela primeira vez em milênios de história, fez com que se tornasse mais difícil vender os produtos e serviços do que fabricá-los.[1]

Para além disso, a sociedade de massa, também considerada a sociedade da informação e da comunicação, fortaleceu os meios de divulgação das profissões. O serviço profissional é bem de consumo e, para ser consumido, há de ser divulgado mediante publicidade.[2]

A publicidade se coloca como meio distintivo da atuação do advogado, principalmente quando na sociedade de consumo “este excesso de oferta, aliado a uma enorme profusão de bens colocados no mercado, levou ao desenvolvimento de estratégias de marketing extremamente agressivas e sedutoras e às facilidades de crédito, seja das indústrias, empresas de distribuição ou do sistema financeiro”.[3]

É certo que o serviço prestado pelo advogado é considerado bem de consumo e, como consequência inerente ao conceito, necessitará de divulgação no mercado como critério distintivo para demonstração ao cliente do serviço prestado e de suas qualidades. É justamente aí que outro tema aparece, o da ética na advocacia, com o objetivo de padronização de condutas e quase que determinação da prudência mínima exigida para ser advogado.

Vejamos o que diz o Código de Ética e Disciplina da OAB:

Art. 7o É vedado o oferecimento de serviços profissionais que impliquem, direta ou indiretamente, inculcação ou captação de clientela.

É aí, por exemplo, que o artigo 7º do Código de Ética da OAB orienta a prudência, pois não se está a afirmar que o advogado está proibido de anunciar ou divulgar seus serviços, mas que deve fazê-lo com discrição e moderação, primando pelo caráter informativo de sua publicidade profissional[4].

Ora, não se pode objetivar entender o que pode ou não pode ser circunscrito como mercantilização da advocacia, sem ao menos de maneira mais abrangente, perquirir sobre os limites previstos pelo Provimento 205/2021 da OAB e outros regulamentos, bem como, se esses limites são, de fato, conformes à realidade contemporânea.

Neste sentido, o Provimento Nº 205/2021, que disciplina a publicidade e a informação na advocacia, já em seu artigo 1º, indica:

Art. 1º É permitido o marketing jurídico, desde que exercido de forma compatível com os preceitos éticos e respeitadas as limitações impostas pelo Estatuto da Advocacia, Regulamento Geral, Código de Ética e Disciplina e por este Provimento.

Já o artigo 28 do Código de Ética e Disciplina da OAB enuncia que o “advogado pode anunciar os seus serviços profissionais, individual ou coletivamente, com discrição e moderação, para finalidade exclusivamente informativa, vedada a divulgação em conjunto com outra atividade.”

E nos artigos seguintes o mesmo Código de Ética enumera:

Art. 29. O anúncio deve mencionar o nome completo do advogado e o número da inscrição na OAB, podendo fazer referência a títulos ou qualificações profissionais, especialização técnico-científica e associações culturais e científicas, endereços, horário do expediente e meios de comunicação, vedadas a sua veiculação pelo rádio e televisão e a denominação de fantasia.

§ 1o Títulos ou qualificações profissionais são os relativos à profissão de advogado, conferidos por universidades ou instituições de ensino superior, reconhecidas.
§ 2o Especialidades são os ramos do Direito, assim entendidos pelos doutrinadores ou legalmente reconhecidos.

§ 3o Correspondências, comunicados e publicações, versando sobre constituição, colaboração, composição e qualificação de componentes de escritório e especificação de especialidades profissionais, bem como boletins informativos e comentários sobre legislação, somente podem ser fornecidos a colegas, clientes, ou pessoas que os solicitem ou os autorizem previamente.

§ 4o O anúncio de advogado não deve mencionar, direta ou indiretamente, qualquer cargo, função pública ou relação de emprego e patrocínio que tenha exercido, passível de captar clientela.

§ 5o O uso das expressões “escritório de advocacia” ou “sociedade de advogados” deve estar acompanhado da indicação de número de registro na OAB ou do nome e do número de inscrição dos advogados que o integrem.
§ 6o O anúncio, no Brasil, deve adotar o idioma português, e, quando em idioma estrangeiro, deve estar acompanhado da respectiva tradução.

Art. 30. O anúncio sob a forma de placas, na sede profissional ou na residência do advogado, deve observar discrição quanto ao conteúdo, forma e dimensões, sem qualquer aspecto mercantilista, vedada a utilização de outdoor ou equivalente.

Art. 31. O anúncio não deve conter fotografias, ilustrações, cores, figuras, desenhos, logotipos, marcas ou símbolos incompatíveis com a sobriedade da advocacia, sendo proibido o uso dos símbolos oficiais e dos que sejam utilizados pela Ordem dos Advogados do Brasil.

§ 1o São vedadas referências a valores dos serviços, tabelas, gratuidade ou forma de pagamento, termos ou expressões que possam iludir ou confundir o público, informações de serviços jurídicos suscetíveis de implicar, direta ou indiretamente, captação de causa ou clientes, bem como menção ao tamanho, qualidade e estrutura da sede profissional.

§ 2o Considera-se imoderado o anúncio profissional do advogado mediante remessa de correspondência a uma coletividade, salvo para comunicar a clientes e colegas a instalação ou mudança de endereço, a indicação expressa do seu nome e escritório em partes externas de veículo, ou a inserção de seu nome em anúncio relativo a outras atividades não advocatícias, faça delas parte ou não.

Art. 32. O advogado que eventualmente participar de programa de televisão ou de rádio, de entrevista na imprensa, de reportagem televisionada ou de qualquer outro meio, para manifestação profissional, deve visar a objetivos exclusivamente ilustrativos, educacionais e instrutivos, sem propósito de promoção pessoal ou profissional, vedados pronunciamentos sobre métodos de trabalho usados por seus colegas de profissão. Parágrafo único. Quando convidado para manifestação pública, por qualquer modo e forma, visando ao esclarecimento de tema jurídico de interesse geral, deve o advogado evitar insinuações a promoção pessoal ou profissional, bem como o debate de caráter sensacionalista.

Art. 33. O advogado deve abster-se de:
I – responder com habitualidade consulta sobre matéria jurídica, nos meios de comunicação social, com intuito de promover-se profissionalmente;
II – debater, em qualquer veículo de divulgação, causa sob seu patrocínio ou patrocínio de colega;
III – abordar tema de modo a comprometer a dignidade da profissão e da instituição que o congrega;
IV – divulgar ou deixar que seja divulgada a lista de clientes e demandas;
V – insinuar-se para reportagens e declarações públicas.

Art. 34. A divulgação pública, pelo advogado, de assuntos técnicos ou jurídicos de que tenha ciência em razão do exercício profissional como advogado constituído, assessor jurídico ou parecerista, deve limitar-se a aspectos que não quebrem ou violem o segredo ou o sigilo profissional.

Resta bastante evidente que a publicidade profissional do advogado deve ter caráter meramente informativo e primar pela discrição e sobriedade, não podendo caracterizar nenhuma hipótese de captação de clientela ou mercantilização da atividade profissional.

As regras estabelecidas nos artigos supramencionados parecem claras ao limitar a publicidade, com o objetivo de distanciar da atuação profissional a prática do mercantilismo ou da banalização/vulgarização da profissão, tarefa cada vez mais difícil em razão de três pontos específicos:

a) a sociedade de consumo que impõe uma adaptação e atualização contante do profissional;

b) a presença da tecnologia em uma sociedade também marcada por uma grande revolução digital;

c) a proliferação dos cursos jurídicos e a “nova” grande massa de advogados, em sua maioria jovens advogados, a utilizar essas novas tecnologias como estratégia de negócio em sua advocacia.

Não podemos negar essas realidades ao se debruçar sobre o tema da mercantilização da advocacia e, obviamente, não discutiremos cada uma delas de forma exaustiva, pois não é o escopo desse artigo; contudo, o posicionamento exarado jamais poderia deixar de considerar (ainda que como plano de fundo) os aspectos mencionados.

É inconteste a revolução digital e a modernização pela qual passa nossa sociedade, com o advento diário de novas tecnologias e de redes sociais que mesclam vida pessoal e profissional e, ao par de tudo isso, uma grande dificuldade de controle  destes temas, já que a inteligência artificial, as novas tecnologias e as redes sociais (para dizer o mínimo), evoluem em uma velocidade muito maior do que a legislação ou os órgãos de controle conseguem regular.

É dizer, a preocupação com a mercantilização da advocacia, para além de estar voltada a temas historicamente relevantes, como por exemplo, captação de clientela pela utilização de publicidade indevida, sociedades empresárias associadas à advocacia dentre outros, atualmente, se preocupa com o modo com que o advogado ou o seu escritório de advocacia aplicará toda essa tecnologia em suas atividades.

É, portanto, indiscutível que as regras do Código de Ética da Advocacia, como a própria estruturação do ordenamento jurídico, não são casuísticos, não havendo a possibilidade de previsão de todos os eventos materializadores de uma violação à regra de não mercantilização da atividade profissional, por meio, por exemplo, de uma publicidade indevida. Contudo, é necessário que padrões sejam estabelecidos ante esse novo cenário, pois da mesma sorte, não se pode imaginar o exercício da advocacia distanciado da própria evolução social e tecnológica.

É preciso reafirmar a relação de confiança entre cliente e advogado e, neste sentido, a contratualização existente nestas relações não serão próprias de contratações não personalíssimas e massificadas, estas últimas, próprias das relações de consumo.

Esse é o entendimento do Tribunal de Justiça do Estado do Paraná:

RECURSO INOMINADO. residual. execução de título extrajudicial. honorários advocatícios. SENTENÇA DE EXTINÇÃO SEM RESOLUÇÃO DO MÉRITO. RELAÇÃO ENTRE ADVOGADO E CLIENTE. APLICAÇÃO DO CDC. IMPOSSIBILIDADE. REGIME PRÓPRIO. ESTATUTO DA OAB. precedente do stj. validade da cláusula de eleição de foro. SOCIEDADE UNIPESSOAL DE ADVOCACIA. EQUIPARAÇÃO, POR INTERPRETAÇÃO ANALÓGICA, À MICROEMPRESA. LEGITIMIDADE ATIVA VERIFICADA. SENTENÇA ANULADA. RETORNO DOS AUTOS À ORIGEM. RECURSO CONHECIDO E PROVIDO. (grifamos) (TJPR – 2ª Turma Recursal – 0034053-56.2022.8.16.0182 – Curitiba –  Rel.: JUIZ DE DIREITO SUBSTITUTO MAURÍCIO PEREIRA DOUTOR –  J. 10.03.2023)

Da mesma sorte, do Tribunal de Justiça do Distrito Federal:

(…) 2. Inaplicabilidade do CDC às relações entre cliente e advogado. 2.1. O Código de Defesa do Consumidor não é aplicável ao contrato firmado entre cliente e advogado, por não configurar relação de consumo. Assim, o ajuste estabelecido entre as partes, caracterizado pela notória relação de confiança, é regido pelo Estatuto da Advocacia (Lei 8906/1994). 2.2. Jurisprudência: “(…) A relação jurídica firmada entre advogado e cliente não caracteriza relação de consumo, sendo, portanto, inaplicáveis as regras do Código de Defesa do Consumidor. (…) Na verdade, trata-se de contrato regido pelo Estatuto da Ordem dos Advogados do Brasil, baseado na relação de confiança entre o cliente e seu advogado (…)” (07092569020198070000, Relator: Fátima Rafael, 3ª Turma Cível, DJE: 26/8/2019).” (grifamos) Acórdão 1650974, 07132373320208070020, Relator: JOÃO EGMONT, Segunda Turma Cível, data de julgamento: 7/12/2022, publicado no PJe: 24/1/2023. 

Bem como, manifesto posicionamento do STJ:

PROCESSO CIVIL. AGRAVO INTERNO. RAZÕES QUE NÃO ENFRENTAM O FUNDAMENTO DA DECISÃO AGRAVADA. RELAÇÃO ENTRE ADVOGADO E CLIENTE. APLICAÇÃO DO CDC. IMPOSSIBILIDADE. REGIME PRÓPRIO. ESTATUTO DA OAB. PRECEDENTES. SÚMULA N° 83/STJ.

1. As razões do agravo interno não enfrentam adequadamente o fundamento da decisão agravada.

2. Na linha da jurisprudência do STJ não se aplica o Código de Defesa do Consumidor à relação contratual entre advogados e clientes, a qual é regida por norma específica – Lei n. 8.906/94. (grifamos)

Precedentes. Súmula n° 83/STJ 3. Agravo interno a que se nega provimento.

(AgRg no AgRg no AREsp n. 773.476/SP, relatora Ministra Maria Isabel Gallotti, Quarta Turma, julgado em 21/6/2018, DJe de 1/8/2018.)

Como se não bastasse, a súmula 02/2011 do Conselho Federal da OAB afirma:

ADVOCACIA. CONCORRÊNCIA. CONSUMIDOR. 1) A Lei da advocacia é especial e exauriente, afastando a aplicação, às relações entre clientes e advogados, do sistema normativo da defesa da concorrência. 2) O cliente de serviços de advocacia não se identifica com o consumidor do Código de Defesa do Consumidor – CDC. Os pressupostos filosóficos do CDC e do EAOAB são antípodas e a Lei 8.906/94 esgota toda a matéria, descabendo a aplicação subsidiária do CDC.

Resta nítido, com isso, que a atividade da advocacia não se aproxima do sistema protecionista de consumo e de que, portanto, é incompatível com a noção de mercantilização. Contudo, não se pode imaginar, em outro vértice, que o advogado exerce atividade alheia a evolução social e tecnológica e que sua postura no mercado deve ser passiva e sem qualquer tipo de exposição; isso significaria estacionar a evolução do próprio Direito, que ao interpretar normas expostas à essa mesma inovação, se atualiza e se desenvolve.

Daí que a postura do advogado contemporâneo se aproxima daquilo que entendemos ser a figura do advogado-empresário, cujo atividade empresarial representa o necessário empreendedorismo do prestador de serviço jurídico, com ética e respeito às regras norteadoras de sua atividade, seja sob o aspecto do marketing jurídico, seja por sua conduta respeitosa e condizente com o munus que exerce.

Para não pairar dúvida sobre qual a distinção entre o advogado-empresário e o advogado que mercantiliza sua atividade, importante entender que a atuação do advogado-empresário é uma atuação empreendedora, moderna, que aproxima seu escritório de boas práticas de governança empresariais e que atua com um marketing agressivo sob o ponto de vista da qualidade da informação e de design, porém, com respeito à todas as regras de sua atividade e de controle impostas pela Ordem dos Advogados do Brasil. Assim, não são compatíveis com essa postura responsável, por exemplo, dancinhas em redes sociais com conteúdo jurídico raso e pouco qualificado, vídeos com encenações teatrais de situações da “vida real” que, ao contrário de informar e educar, desqualificam o profissional em troca de likes e aumento de seguidores em perfis de redes sociais. Isso aproxima a advocacia de uma atividade mercantilista que tem por única finalidade a obtenção de lucro, ainda que para isso, seja necessário banalizar ou ridicularizar a própria atividade.

Veja que isso em nada tem a ver com vedação da atuação profissional do advogado ou limitação de sua exposição no mercado, mas sim e única exclusivamente com a manutenção mínima do decoro e da ética relacional e reputacional inerente a profissão eleita pelo próprio profissional.

Da mesma forma, é vedada ao advogado a utilização da tecnologia para potencializar o acesso a clientes de maneira desregrada e despersonalizada, com o único e particular intento de angariar clientela e ou “leads”. Buscar o futuro cliente apenas para alardear benefícios, fazendo com que estes estabeleçam vínculo pela promessa massiva lançada ao mercado ou ainda associar-se com atividades empresárias para mascarar essa massificação é, também, atuação mercantil vedada.

É nesse sentido, por exemplo, a jurisprudência do Tribunal de Ética da OAB do Estado de São Paulo:

EXERCÍCIO PROFISSIONAL – CONCOMITÂNCIA DAS ATIVIDADES DE ADVOCACIA COM AS DE CORRETAGEM DE SEGUROS – IMPOSSIBILIDADE DO EXERCÍCIO NO MESMO LOCAL – LIMITAÇÕES ÉTICAS E ESTATUTÁRIAS.

Atividades diversas não podem estar associadas à advocacia em caráter permanente, ou realizadas no mesmo local do exercício da advocacia, sob pena de violações ao artigo 1°, § 3°, do Estatuto da OAB, ao artigo 40, IV, do CED e à Resolução 13/97 do TED I. O fato da atividade de corretagem ser exercida por terceiro, e não pelo próprio advogado, é indiferente para fins da impossibilidade de ter-se atuação conjunta da advocacia com outra atividade mesmo local. Caso fosse a atividade exercida pelo próprio advogado, o que não se veda, desde que inexistam as incompatibilidades e impedimentos previstos nos artigos 28 e 30 do Estatuto da OAB, a atividade também deveria ser realizada em local diverso, pois é necessária a absoluta independência de acesso ao escritório com a finalidade de se manter o sigilo e a inviolabilidade dos arquivos e dos documentos do advogado e dos seus clientes, bem como para se evitar captação de causas ou clientes. (Precedentes: E-3.587/2008, E-4.578/2015 e E-4.745/2016). Proc. E-5.079/2018 – v.u., em 26/07/2018, do parecer e ementa do Rel. Dr. EDUARDO AUGUSTO ALCKMIN JACOB, Rev. Dra. CÉLIA MARIA NICOLAU RODRIGUES – Presidente em exercício Dr. CLÁUDIO FELIPPE ZALAF.

Esse tipo de atuação do advogado, que massifica a relação com o cliente é, em muito, potencializada pela mecanização do serviço jurídico, que com a tecnologia muitas vezes aplicada apenas ao volume de peças produzidas, banaliza a própria postulação em juízo, com reflexo negativo ao próprio Poder Judiciário, distanciando a advocacia do pensamento crítico e da produção de qualidade, para uma aproximação meramente econômica e de custo-benefício dessa atividade.

4. CONCLUSÃO

Enfim, a problemática no tratamento do tema da mercantilização da advocacia tem relação direta com a postura de alguns profissionais e com o desconhecimento das normas éticas; é dizer, na dificuldade dos próprios advogados em reconhecer os limites de sua atuação e da exploração de sua estratégia de negócio, afinal, são os aspectos que extrapolam a ética profissional e que desbordam a prudência, que conduzem a autopromoção e captação irregular de clientela.

Parafraseando Manoel de Oliveira Franco Sobrinho:

“Nunca parei para saber aonde estava indo. Tinha o destino como meta e sabia que o destino traçava o rumo das pessoas. Deixe-me assim levar, sem maiores ambições, para os caminhos e descaminhos do presente e quem sabe do futuro. O pensamento, porém, pela força do espírito, detinha as minhas ações e me entregava às coisas que aconteciam. Sou e fui um homem de fatos e não de ilusões. (…) As mudanças e transformações, quando necessárias, vinham de fatos, não simplesmente de ideologias. Não adiantava, como não adianta, recorrer aos artifícios normativos, impor leis contra os costumes, querer emendas constitucionais, salvadoras. As práticas estavam ali, ao nosso lado ou à nossa frente, lógicas no entendimento. Fugir delas, pelo idealismo, era e é como hoje tempo perdido.” (grifo nosso)

O texto acima nunca foi tão atual, somos movidos por fatos, a evolução social e tecnológica bate nossas portas todos os dias, não há negativa possível a esse fato; contudo, a questão fundamental que se coloca é: seria possível o advogado, inserido neste contexto, atuar a não promover práticas mercantis nesta nova economia de mercado? A resposta é mais simples do que parece e, para não fugir dela por idealismo, como a visão do advogado-empresário deve estar cada vez mais presente nos dias atuais, contudo, os limites a essa atuação empresária devem estar pautados não apenas em uma conduta concorrencial ética, mas também e principalmente, na prudência do agir e em outros fatores externos que impeçam a banalização da profissão.


[1] https://pt.wikipedia.org/wiki/Sociedade_de_consumo

[2] NALINI, José Renato. Ética geral e profissional. 4. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2014.

[3] https://pt.wikipedia.org/wiki/Sociedade_de_consumo

[4] Neste tema, muito apesar de não ser a temática deste artigo, importante reforçar a necessidade de conhecimento sobre as diferenças conceituais entre publicidade, propaganda e marketing jurídico.


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