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Due Diligence e Controle: Procedimentos Estruturados para a Legalidade na Emissão de Licenças de Porte de Arma

Autores: Eduardo Moura e João Henrique Taborda Coimbra

Introdução

Recentemente, a mídia divulgou a existência de relatório sigiloso do Tribunal de Contas da União sobre irregularidades na concessão de licenças para porte de arma[1]. No procedimento de auditoria, o TCU verificou que o Exército Brasileiro, encarregado pela emissão das licenças, não estava cumprindo a Lei, ao conceder o porte de arma sem a devida verificação prévia dos critérios legais que autorizariam as licenças. Como resultado, pessoas inidôneas tiveram acesso a armas de fogo e munições, gerando risco à segurança pública.

A lei que regulamenta essa emissão é a 10.826/2003, popularmente conhecida como Estatuto do Desarmamento. Nela, está previsto um tipo de licença denominado CAC – Caçadores, Atiradores e Colecionadores -, que deverá ser emitido pelo Exército por meio de um documento chamado Certificado de Registro. Para isso, a lei determina, dentre outras exigências, que, além da demonstração de efetiva necessidade, se comprove a idoneidade para aquisição de arma de fogo.

Neste artigo, portanto, buscaremos nos debruçar sobre os meios para verificação desse requisito de principal importância – a comprovação de idoneidade -, cujo não atendimento, quando da emissão das licenças, deu razão ao Relatório produzido pelo TCU.

A inconformidade

A “comprovação de idoneidade” é um conceito jurídico indeterminado, conhecido por sua vagueza, assim como os termos “notório saber jurídico” e “reputação ilibada”. No caso da emissão de licenças para porte de arma, a idoneidade se considera comprovada pela apresentação de certidões negativas de antecedentes criminais, bem como não estar respondendo a inquérito policial ou a processo criminal.

Ocorre que não há uma base unificada para a emissão destas certidões, que são fornecidas pelas Justiças Federal, Estadual, Militar e Eleitoral, e, portanto, precisam ser emitidas nesses órgãos em cada região. O próprio relatório afirma que esse fato “(…) representa uma debilidade na avaliação da idoneidade dos interessados em obter acesso a armas de fogo nos termos da Lei 10.826/2003. A forma como a matéria foi regulamentada em 2019 – ao restringir a comprovação de idoneidade à unidade federativa (UF) atual de domicílio –, pode ter exacerbado essa fragilidade, que não parece ter sido suficientemente mitigada na regulamentação emitida em 2023″[2].

Analisando o histórico legislativo, verifica-se que o TCU se refere à flexibilização dessas regras que se deu por meio de um decreto presidencial em 2019, restringindo os limites territoriais da comprovação de idoneidade ao Estado de atual domicílio do requerente. Em 2023, a regulamentação mudou, suprimindo novamente a disposição: a regra válida atualmente é de que deverão ser apresentadas certidões negativas dos locais em que o interessado foi domiciliado nos últimos 5 anos. Contudo, o TCU ainda entende que o risco envolvido em fornecer uma licença para porte de arma sem uma consulta mais diligente, ainda não foi mitigado.

Por essa razão, o relatório afirma que o descumprimento da Lei tem sua raiz em uma falha na operacionalização do procedimento de emissão, porque não haveria um procedimento mínimo de verificação e pesquisa de antecedentes criminais durante os processos de concessão, revalidação e cancelamento de CRs, permitindo que fossem expedidas licenças para indivíduos foragidos da polícia, com mandados de prisão em aberto e com antecedentes criminais. Desse modo, a equipe envolvida na auditoria recomendou que fossem adotados “(…) mecanismos que possam servir a análises de risco e para direcionamento de ações de fiscalização”, já que a legislação não prevê procedimento específico para identificação de solicitantes que não atendam aos requisitos.

A Due Diligence como instrumento de análise de risco

Quando o TCU utiliza os temos “mecanismos de análise de risco” e “procedimento para identificação de solicitantes”, aqueles familiarizados com o mundo do Compliance logo reconhecem o linguajar técnico empregado com as expressões, que quando conjugadas, podem se traduzir em uma prática bastante conhecida nesse meio: a Due Diligence.

A Due Diligence – em uma tradução livre, devidas diligências – pode ser entendida como procedimentos destinados a coletar informações diversas sobre uma pessoa física ou jurídica, a fim de verificar aspectos considerados relevantes – como, se ele cumpre com determinados requisitos -, e realizar uma análise do risco envolvido em um eventual relacionamento com esse alvo. Com isso, a prática permite uma tomada de decisão mais assertiva, embasada em informações estratégicas.  

Para o caso em questão, a implementação de um procedimento bem desenvolvido de Due Diligence possibilitaria uma rotina de verificação dos critérios legais previamente à emissão das licenças para porte de arma, garantindo a conformidade com a legislação nesse aspecto. Ainda, o procedimento de Due Diligence pode ser estruturado conforme o objetivo a ser alcançado pela análise. Por exemplo, para o caso da emissão de licenças para porte de arma, poderá ser desenvolvido um procedimento voltado à análise do preenchimento dos critérios legais, ou seja, para a busca automatizada de certidões nos diversos estados do país, assim como a busca de endereços para localizar onde o indivíduo foi domiciliado nos últimos cinco anos.  

Outro problema apontado pelo relatório, a ser enfrentado pelo Exército ao promover as alterações necessárias nos controles, é a utilização de intermediários, conhecidos como “laranjas”, para realização das compras no lugar de pessoas inidôneas. O uso de “laranjas” é algo que pode ser identificado em um procedimento de Due Diligence, já que o uso de ferramentas de análise de outros tipos de dados, não apenas certidões, permite identificar, por exemplo, eventual incompatibilidade entre a renda do requerente e as armas compradas.

A ausência de procedimentos que permitem verificar previamente dados mais específicos tais como os obtidos na auditoria do TCU, prejudica a confiabilidade dos dados mais simples analisados pela autoridade emissora, já que até mesmo o nome que aparece nas solicitações pode não ser do indivíduo que está realmente interessado em ter acesso à arma de fogo.

Desse modo, podemos concluir que um tema tão sensível à segurança pública, de fato demanda maior atenção, controle e diligência para a operacionalização de um processo administrativo baseado em informações confiáveis e em uma análise razoavelmente segura de documentos comprobatórios da legalidade das solicitações, bem como da idoneidade dos solicitantes.

A Solução

 O TCU pôde chegar a tais conclusões por meio do cruzamento de bases de dados do sistema público, que, mesmo assim, podem apresentar inconsistências, por não haver certeza quanto ao acesso às informações dos Estados em sua totalidade. A realização de procedimentos de verificação estruturados em um protocolo de Due Diligence, permite complementar essa busca através do uso de plataformas OSINT – Open Source Intelligence, que realiza buscas em bases de dados abertas, de modo automatizado e ágil.

Tal solução tecnológica pode contribuir – e muito – para a operacionalização de procedimentos de verificação de requisitos legais, como os realizados para a emissão das CRs. E esse é apenas um exemplo de processo administrativo, dentre uma miríade de atribuições do Estado. A utilização de novas práticas de mercado e a implementação de novas soluções gerenciais na Administração Pública, como a Due Diligence estruturada, pode ser um grande aliado, que fornece grandes atalhos para o cumprimento de suas funções. Além de auxiliar na conformidade com a legislação, é um investimento que gera retorno: a automatização e revisão estratégica de processos poupa recursos humanos e tempo. Em resposta ao TCU, o Exército afirmou estar adotando as medidas cabíveis para aperfeiçoar o processo de autorização e fiscalização dos CAC. Espera-se que a Due Diligence seja a ferramenta escolhida para esse fim, evidenciando ainda mais sua tendência e necessidade na Administração Pública.


[1] As reportagens que veiculam tais informações podem ser acessadas pelos links abaixo:

https://www.cnnbrasil.com.br/politica/exercito-liberou-armas-para-condenados-por-homicidio-e-trafico-de-drogas-diz-relatorio-do-tcu

https://g1.globo.com/politica/blog/andreia-sadi/post/2024/03/04/exercito-deu-licenca-de-cac-para-condenados-por-trafico-e-homicidio.ghtml

https://www.estadao.com.br/politica/cacs-exercito-liberou-armas-para-52-mil-condenados-por-trafico-de-drogas-e-outros-crimes

[2] https://www.estadao.com.br/politica/cacs-exercito-liberou-armas-para-52-mil-condenados-por-trafico-de-drogas-e-outros-crimes


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